terça-feira, 23 de setembro de 2014

2070 D.C.



Há cerca de 40 anos conseguimos criar a inteligência transumana. Rapidamente os sistemas de informação ao redor do planeta foram se integrando ao primeiro núcleo de processamento de dados inteligente. Em questão de semanas os problemas experimentais que emperravam o desenvolvimento de tecnologias genéticas, da nanotecnologia e processamento quântico foram resolvidos.
Com isso, a expectativa de vida tornou-se virtualmente indeterminada. Para uma existência biofísica as doenças foram erradicadas. No caso de a vida ser ameaçada externamente, por eventos cósmicos ou climáticos, a consciência imaterial poderia ser ancorada em sistemas neurocognitivos artificiais.
Inteligências híbridas neuro artificiais se tornaram comuns. Primeiro os próprios cientistas que desenvolveram as condições para a hiperexpansão da inteligência. Depois, qualquer pessoa doente ou deficiente que via na tecnologia uma forma de transcendência e libertação da prisão de seus corpos. O que sempre foi temido como um profundo dilema foi, na prática, acolhido como uma forma de redenção.
A primeira revolução foi na concepção de indivíduo e sujeito. A mesma expansão da inteligência que conectou os todos os seres humanos em uma meta mente coletiva, dissipou os valores da individualidade e da identidade. A temida perda da diversidade mostrou-se uma ameaça fantasma. Antes tida como uma característica da essência humana, no momento de escolher entre a finitude e a plenitude, as mentes individuais compartilharam sua individualidade, integrando-a em uma inteligência coletiva sem receios ou pudores.
Um efeito inesperado, ainda que posteriormente percebido como óbvio foi a completa superação da lógica aristotélica. A partir da superação da perspectiva da morte, a prisão do tempo deixou de existir. Uma soma incontável de vivências que se sucediam em uma ordem multiconsistente violou a percepção racional da seta do tempo. A consciência deixou de ser humana. Mas ao transformar os humanos, a inteligência coletiva deu-nos a vivência de perenidade e plenitude. O devir permaneceu entre nós. No entanto, a necessidade de atrelar o devir ao futuro deixou de fazer sentido. O devir já não habitava mais o tempo. Ele estava na ordem da potência e dos campos e o antes e o depois se fundiram ao aqui e agora absoluto.
Entendemos que, de alguma forma, 1989, 1789, 2089 são pontos no tempo que está inscrito nas fibras, nas células, nas moléculas, nos átomos que compõe o corpo que recorda. Ao libertar o pensamento de sua base bioelétrica.
O tempo não passa. É um todo sólido. E nossa consciência apenas arranha sua superfície. Evoluir é desprender-se dele. Amadurecendo aprendemos que a consciência pode nos levar a brincar com o tempo e dissolver sua fragmentação. Aprendemos, então, que esse dia, e outros estão tão presentes para nós, quanto os que ainda virão.
Teologia, filosofia, epistemologia e ontologia tornaram-se relativos interligados. Ainda que a natureza fundamental do universo tenha permanecido no mistério, a investigação e a especulação teórica chegaram a níveis jamais imaginados.
Os 200 mil anos de evolução do homo sapiens terminaram.



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