terça-feira, 23 de setembro de 2014

2070 D.C.



Há cerca de 40 anos conseguimos criar a inteligência transumana. Rapidamente os sistemas de informação ao redor do planeta foram se integrando ao primeiro núcleo de processamento de dados inteligente. Em questão de semanas os problemas experimentais que emperravam o desenvolvimento de tecnologias genéticas, da nanotecnologia e processamento quântico foram resolvidos.
Com isso, a expectativa de vida tornou-se virtualmente indeterminada. Para uma existência biofísica as doenças foram erradicadas. No caso de a vida ser ameaçada externamente, por eventos cósmicos ou climáticos, a consciência imaterial poderia ser ancorada em sistemas neurocognitivos artificiais.
Inteligências híbridas neuro artificiais se tornaram comuns. Primeiro os próprios cientistas que desenvolveram as condições para a hiperexpansão da inteligência. Depois, qualquer pessoa doente ou deficiente que via na tecnologia uma forma de transcendência e libertação da prisão de seus corpos. O que sempre foi temido como um profundo dilema foi, na prática, acolhido como uma forma de redenção.
A primeira revolução foi na concepção de indivíduo e sujeito. A mesma expansão da inteligência que conectou os todos os seres humanos em uma meta mente coletiva, dissipou os valores da individualidade e da identidade. A temida perda da diversidade mostrou-se uma ameaça fantasma. Antes tida como uma característica da essência humana, no momento de escolher entre a finitude e a plenitude, as mentes individuais compartilharam sua individualidade, integrando-a em uma inteligência coletiva sem receios ou pudores.
Um efeito inesperado, ainda que posteriormente percebido como óbvio foi a completa superação da lógica aristotélica. A partir da superação da perspectiva da morte, a prisão do tempo deixou de existir. Uma soma incontável de vivências que se sucediam em uma ordem multiconsistente violou a percepção racional da seta do tempo. A consciência deixou de ser humana. Mas ao transformar os humanos, a inteligência coletiva deu-nos a vivência de perenidade e plenitude. O devir permaneceu entre nós. No entanto, a necessidade de atrelar o devir ao futuro deixou de fazer sentido. O devir já não habitava mais o tempo. Ele estava na ordem da potência e dos campos e o antes e o depois se fundiram ao aqui e agora absoluto.
Entendemos que, de alguma forma, 1989, 1789, 2089 são pontos no tempo que está inscrito nas fibras, nas células, nas moléculas, nos átomos que compõe o corpo que recorda. Ao libertar o pensamento de sua base bioelétrica.
O tempo não passa. É um todo sólido. E nossa consciência apenas arranha sua superfície. Evoluir é desprender-se dele. Amadurecendo aprendemos que a consciência pode nos levar a brincar com o tempo e dissolver sua fragmentação. Aprendemos, então, que esse dia, e outros estão tão presentes para nós, quanto os que ainda virão.
Teologia, filosofia, epistemologia e ontologia tornaram-se relativos interligados. Ainda que a natureza fundamental do universo tenha permanecido no mistério, a investigação e a especulação teórica chegaram a níveis jamais imaginados.
Os 200 mil anos de evolução do homo sapiens terminaram.



sábado, 20 de setembro de 2014

Futuro

Um dia nascendo em 1977. Um raio de sol passa pela porta entreaberta e ilumina o pó que flutua acima do assoalho de madeira. Num canto da sala um menino que viu seu pai sair para trabalhar é capturado pela imagem das partículas suspensas no ar iluminado pela luz do sol.
Durante alguns segundos a imagem se imprime na memória do menino. Mas, estes segundos são formados de instantes, pontos sem dimensão que compõe a tessitura do espaço-tempo. Um desses instantes foi fecundo. Nele o momento da captura do olhar se instalou. E esse instante solidário partilhou a novidade com a miríade de instantes que vieram e formaram os segundos que o menino manteve na memória pelas décadas a frente.
Numa noite quente de verão, 37 anos depois, um homem de meia idade busca o adormecer acalentado por memórias e meditações sobre o tempo. Ele lembra os segundos em que o encanto da luz sobre as partículas de pó o haviam fascinado. Lhe pareceu que os 37 anos que separavam as memórias não encontravam distância alguma. O padrão de sinapses que lhe faziam pensar nos segundos em que ia adormecendo e, aqueles outros que o levavam a 1977, eram instantâneos e mais solidários que a fugaz memória perdida que lhe revelaria o que havia almoçado horas antes.
Imaginou agradavelmente o momento de paz e tranquilidade que iria ter com a mulher amada em algum momento nos dias que estavam próximos. Sabia que eles viriam e passariam como os instantes em que a luz iluminou a sala de uma das casas de sua infância. Mas também permaneceriam com ele. Sabia que uma vez vivida, ela seria uma vivência eternizada, atemporal e imutável. Em muitos lugares do universo àqueles dias felizes por vir, já seriam vistos como tempos idos.
Ele é que finalmente esqueceria, seria esquecido... O mundo, ocupado em viver e lembrar outros incontáveis instantes, esqueceria dele. Mas nada mudaria o fato de que, num lapso ínfimo de tempo, ele sentira o mundo. E na eternidade que contem nosso universo, seu futuro seria o passado na perspectiva de um observador distante. A ideia de que o espaço-tempo formavam um tecido continuo o liberava.
Aprendera desde pequeno, em leituras furtivas nas enciclopédias de tios, nas bibliotecas das escolas em que estudara, que o tempo era relativo e que a matéria dialogava com a consciência de um observador.
Não entendeu da primeira vez que leu. Mas não descansou até formar uma imagem coerente do colapso da função de onda. Mas sua intuição de que a expectativa mudava o rumo dos acontecimentos era solidária a ideia da Física de que o tempo é uma ilusão. Havia uma forma de ver as coisas em que tudo estava religado. Um olhar que não via a causalidade desenrolando-se no tempo. Tudo estava em seu lugar.
E, assim, adormeceu entre a memória dos dias de seu 7º ano de vida, a contemplação de seu agora e a expectativa dos dias que ainda viriam.

!!!

Você viveu com alguém por 20 anos. Se estes 20 anos não tivessem acontecido, e você encontrasse hoje esta pessoa, pergunte-se:
- Eu acharia ela atraente, interessante e encantadora como ela é agora e não apenas como ela era há 20 anos atrás?
Se a resposta for sim, você é como eu. Tem disposição para encontrar a beleza onde ela se encontra e pode ser um curador dos sentimentos, que estes sim podem ser mantidos, independente de quanto o tempo passe.

Mudar

Mudar de apartamento, mudar os móveis da casa, fazer uma pós graduação, um mestrado, pintar os cabelos de uma cor nova, mudar, mudar, mudar... Paradoxalmente as mudanças mais importantes se dão quando não mudamos nada, quando ficamos parados na ilusão de parar o tempo. Aí, apenas envelhecemos. E esta é a grande mudança, a mais natural e assustadora.
Na agitação de iniciar e encerrar ciclos que é a marca de nós ocidentais, tentamos, sim, enganar o tempo. Mas que nada. Esses momentos em que nos lançamos na aventura de mudar é que a passagem do tempo se torna mais intensa. Tanto pelas marcas das passagens, como o frio na barriga que dá, arriscar-se em direção ao novo.
Vida nova: Nosso jeito de viver a vida, nosso roteiro para afrontar a rotina. E permanecermos no fio da mesma história de amor familiar, romântico e fraternal. Nossa sorte está lançada mais uma vez. Que venha o futuro e suas consequências!

Um bem maior.

Ser feliz não é a norma. É o desafio da vida em meio as contingências que não podemos contornar. Ter um bem e ser um bem maior é o que conta em meio ao caos sem sentido do mundo.

Mulheres

No dia da mulher, uma homenagem a mulher de todos os meus dias, das horas boas, das difíceis e das incríveis. Nos nossos encontros o amor vale a pena.
Há o feminino em nós, há a maternidade e a paternidade partilhadas. Existe a paixão e a serenidade de andar pela vida lado a lado.
O feminino que gesta todos os seres permanece em nossa masculinidade na forma de sensibilidade, cuidado e zelo. Parabéns a esta que me aquece o leito e a alma.
Parabéns a minha mãe, as minhas irmãs, minhas amigas, minhas colegas e a todas elas pelas coisas boas que nos fazem fazer e ser! Obrigado a mulher e a cada mulher em minha vida.

O sol de todos.

De cada canto do mundo é concedido um por do sol a cada ser vivente. E o mesmo por de sol pertence a todos e a cada um. Não se entrega a ninguém, mas pode ser desfrutado por todos. As nuvens lutam por adorná-lo. Por vezes o ocultam. Mas não hoje. Escuras e sombrias elas são meras molduras de um espetáculo com entrada franca.

O primeiro beijo.

Seria o dia ideal para contar de novo a história de meu primeiro beijo. Gosto de contá-la a meus amigos e eles já devem ter ouvido ela várias, ou algumas vezes.
Ela me faz lembrar daquele cara que faz tempo, nunca mais vi, no espelho. É uma história que me faz sentir de novo os sabores dos anos 80. Doce sabor de um beijo inesperado numa noite de sexta-feira, na casa do Julio, irmão do Átila.
Os pais fora de casa eram uma oportunidade para reunir a turma, ouvir musica e ensaiar dançar. O antes e o depois daqueles instantes em que cerrei os olhos e saí desse mundo, definiram muita coisa em minha vida.
O segredo foi deixar acontecer, sair do tempo - e por todos estes anos, desde aquele 1985, poder de vez em quando, sair de novo do tempo. Reencontrar meu passado, a fugaz Adriana e o cara que eu já fui.
Seria legal contar. Mas lembrar já vale a pena.

Mãe

Mãe quando você escolheu meu pai, eu passei a ser possível nesta vida. Quando de seu ventre generoso vieram dois óvulos, eu pude ter um irmão que faz aniversario no mesmo dia que eu e tem apenas 15 minutos a menos do que eu neste mundo. Muito em minha vida me veio de escolhas que fizeste ainda antes de eu ter nascido.
Mas foram os incontáveis dias de trabalho, zelo e cuidado que me deram a oportunidade de ser um adulto. Lembro as milhões de vezes em que me orientaste, as palavras de alerta, as noites em claro ao lado de meu leito no hospital, o empenho em me fazer ver o valor da educação, todos os dias em que fui teu filho em tua casa e estes em que sou teu filho em um lar distante.
Não esqueço que o homem que sou, o profissional da enfermagem (nossa profissão em comum), o professor, o marido e pai, que te fez vovó, tudo devo a mãe que me acolheu como o fruto de um desejo amoroso. Lembro que em todos os meus passos estão os traços que me imprimiste ao escolher meu pai, que te escolheu também, que te fez minha mãe com o amor que lhe devota. Lembro que enquanto acertava, as vezes errava e quando errava, acertava porque era movida pelo amor aos filhos. Por temor ao futuro incerto esteve sempre presente e seu exemplo me guia pela vida.
Nunca esqueço nada disso e lembro muito mais. Mas neste dia especial lembro em publico a alegria de ser teu filho.
Feliz dia das mães, minha amada mãe!

Dia do namorado e da namorada


Um jovem solitário e perdido, tentando refazer-se na vida.
Um guarda-roupa vazio. Um moça que vendia roupas.
Uma festa e um moço com uma camisa puída. 
Uma longa conversa sobre a vida e as vidas. Um primeiro beijo.
Uma mão de cuidador, segurando a mão de uma mulher que sabia, e sabe, andar pela vida.
Um telefonema. Um longo namoro de idas e vindas, as vezes literalmente a pé.
Um parceria de leituras literárias e acadêmicas. Um ir e vir morar juntos.
Um passa no vestibular, uma se forma. Uma se especializa, o outro termina a graduação.
Uma união estável em cartório. Um casamento em cartório.
Uma gestação compartilhada. Um filho nasce, gesto de amor, zelo, cuidado e compromisso.
O fruto de um namoro amadurecido, a cada passo partilhado.
Viagens a praias cada vez mais belas, cada vez mais distantes.
Uma nova profissão para um, uma nova missão para outra.
O dia dos namorados é só mais um dia de namoro, para quem ama ser feliz lado a lado...

O Tao

Aliviado do fardo do passado, a vida pode recomeçar. Movimenta-se. Mais do que ser feliz, cumprir uma trajetória de forma plena, é significativo. Agir de acordo consigo mesmo é mais que vencer. É não deixar-se vencer.
O Caminho (o Tao) é a obviedade que escapa a maioria. Num mundo de recortes, aparências, ódios e preconceitos a maioria tem horror a gigantesca margem de autonomia que temos em meio as contingências que não podemos contornar. Muitos, quase todos, julgam que o mundo poderia ser perfeito. O único problema são os outros. Quase todos os outros, que não são tão bons como nós.
A matemática dessa impressão é absurda: A voz do povo é a voz de Deus e a maioria é o critério da verdade, de um lado. Mas de outro lado criticamos a tudo e a todos. E o mundo é ruim porque, de todos que existem, a maioria que conhecemos, é ruim. Mas o povo sempre tem razão.
A única sabedoria desse senso comum absurdo é o que ele insinua, mas não diz claramente: Somos a sombra e a luz. O esclarecimento e as trevas. E na média, se não somos nem assassinos, nem santos, é na hipocrisia que o mal, banal e cotidiano, viceja.
Por isso, o moralismo é a matéria prima e o combustível do inferno. Não é a contradição e a mentira, mas nossa negação em assumir nosso mal interior e combatê-lo, ao invés de simplesmente projetá-lo e vomitá-lo sobre os outros...

Perplexidades amorosas

Duas coisas me intrigam: 
A sensação de insignificância que percebo em mim ao te olhar, é uma. 
A imensa grandeza que adquiro ao me ver em teu olhar, emoldurado por seu sorriso, é outra. 
Como posso me julgar tão mal, mesmo ousando me colocar na mira de teus olhos? 
Se me vejo, me desdenho. 
Se te vejo me vendo, transbordo na satisfação de ser este que merece teu olhar...
O amor é que resta quando nos sabemos partes
que só o afeto completa.

...

Beleza é fundamental
Beleza é circunstancial
Beleza é artificial
O desejo é natural
Humanos anseiam por humanos
E nada mais...

Uma improvável presciência.


A natureza da percepção que temos do mundo que nos cerca implica no pressuposto do encadeamento de causas e consequências. Um olhar mais atento sobre o macro e o micro, desmonta a certeza desta suposição. Mesmo que a recorrência dos eventos que nos chegam aos sentidos implique na aceitação de que nosso eu está preso num presente sempre fugaz, num passado para sempre perdido e num futuro sempre incerto.
O olhar do observador, aparentemente, determina a forma como a realidade se configura. Mas temos que reconhecer que esta é uma visão muito limitada e imprecisa. Nossa visão do mundo é parcial e circunstancial.
Como Stephen Hawking sugeriu, podemos ser como peixes presos em um aquário. A visão do mundo além do aquário é distorcida, pela curvatura do vidro no recipiente que separa o peixe do resto do universo. Não importa o quanto racionalizemos os dados que nos chegam aos sentidos: Não podemos inferir exatamente o que é o mundo amplo onde estamos.
Sequer conseguimos imaginar facilmente o espaço-tempo como uma quarta dimensão somada as três a que estamos habituados. Mas o desenrolar do tempo no espaço tem um significado ativo na mecânica do universo. Geralmente confundimos a natureza da integração destas múltiplas dimensões como sendo apenas os limites que ela impõe às nossas existências. Isso é muito menos do que realmente pode ser o papel do espaço-tempo como uma dimensão a que não temos acesso intuitivo.
A passagem do tempo é como o horizonte em que o céu e o topo das montanhas nos separam do mundo que esta além da paisagem que nossa visão não alcança. Para saber o que existe além do horizonte precisaríamos ir até lá. Sair do aquário. Mas por enquanto somos parte do nosso ambiente e não podemos viver sem ele. Ou seja, não podemos ver o tempo de uma perspectiva externa.
No entanto, a imaginação nos impulsiona a ir além. Ainda que tudo o que possamos imaginar, seja menos inimaginável que a realidade que se estende além do que estamos vendo.
E sim tudo o que for previsto, altera a previsão. Princípio da Incerteza.
Um grande abraço, Shirley.

Nem os outros, nem qualquer um de nós...


Porque a culpa dos inocentes enleva o sono dos cidadãos de bem. A barbárie no Jornal nacional sacia a sede de violência que os romanos saciavam no Coliseu. O que os justiceiros fazem ao mutilar suas vítimas é o rascunho do monstro que habita nossa imagem de cidadãos de bem.
Somente quando vermos a fera que nos habita, poderemos renunciar ao sacrifício explícito das vítimas. O que os justiceiros fazem ao encenar o espetáculo do surto da violência é permitir que nos isentemos da violência cotidiana que naturalizamos e remetemos, sempre, ao outro.
Somos bestas iludidas de que o devir civilizado já é nossa condição comum.

A juventude tenra de todos os dias

Percebo que a partir da meia idade, vamos perdendo uma certa espontaneidade em professar a esperança e a alegria de viver. Numa cultura que supervaloriza a autonomia, o individualismo e a juventude, a sabedoria que vem com a idade toma expressão na seriedade sisuda que caracteriza os rabugentos e mal humorados.
Mas é uma bobagem. Não somos mais tristes porque a realidade do envelhecimento nos torna céticos. O ceticismo não implica numa renúncia a felicidade, ao sonho e a esperança. Não é porque conhecemos bem, que deveríamos amar menos. Ao contrário, tanto as pessoas, como os hábitos que nos são caros, merecem mais amor e paixão, na medida em que sejam cada vez mais bem experenciados...
É um preconceito tosco achar que a paixão, o desejo e a sensualidade se retraiam com a idade. Se agimos assim, não é pelo endurecimento suposto que acompanha o avanço da idade. É porque cedemos ao impulso da manada e nos instituímos dentro dos limites que o senso comum traça para nós.
Só para ser do contra, para ser eu mesmo, continuo acreditando em beijo na boca, de língua, em sexo apaixonado e tesão. A sabedoria dos anos não me fez, nem mais, nem menos. Sou eu com um aroma encorpado e o sabor que só o tempo confere a quem soube envelhecer numa atmosfera intensa e alegre.
Nunca tivemos dias como estes. Não é por serem os últimos que serão os piores dias. Ao contrário, os de agora valerão por todos os dias que já se foram. Que o ocaso seja a alvorada voraz que nos consumirá em desejos ardentes na celebração da vida.

Prescrição

Suportar a reincidência e o retorno da dor, da marca, da ferida e do estigma da alma, mesmo quando ela já não tenha mais território, exige aprendizado continuo, escuta e diálogo. O que tentamos preservar quando persistimos no engano é a regularidade que pensamos ser a nossa identidade. Por isso, a conduta nova que não podemos adotar, prescrevemos aos outros como o óbvio a ser feito.

Espetáculo, magia e trapaça.

O futebol acontece no intervalo entre os segundos. Para os jogadores excepcionais parece que o tempo é mais extenso. Eles não são simplesmente mais rápidos. Algum gênio oculto os coloca em uma dimensão própria onde o fluxo do tempo parece mais lento. Com elegância executam movimentos que nossa visão não é capaz de acompanhar.
Mas a magia do futebol é que por um instante qualquer um pode ser possuído pelo gênio. Então uma partida comum pode se tornar memorável e um jogador modesto entrar para a história.
Este esporte coletivo está no limite da mistura entre habilidade e sorte, virtude e fortuna. Por isso gigantes podem ser derrotados e pessoas comuns conhecerem a glória.

Livre Arbítrio


Já pensaste nas consequências filosóficas dos ensinamentos do velho Albert Einstein?

O Espaço e o Tempo formam um tecido contínuo. Tudo o que já aconteceu e ainda vai acontecer existe, exatamente como qualquer lugarzinho do universo, seja uma rocha insignificante na terra, ou um oceano gigantesco em algum planeta desconhecido. 

Se você está parado, ainda assim se move no tempo. O agora é uma percepção singular e relativa, das infinitas fatias de instantes que somadas compõe o tecido do espaço-tempo. Se você se move, vai perceber fatias de agora diferentes conforme se aproxime ou se distancie daquilo que em sua percepção, compõe o seu agora. 

A isso chamamos de espaço-tempo-continuo. Não faz sentido, mas é matematicamente testado e confirmado diariamente por tecnologias como a do GPS. 

Assim, o futuro existe tão concretamente quanto o passado e o presente. Não estamos indo em direção ao desconhecido, fazendo escolhas numa disputa de big brother cósmico. O meu futuro já aconteceu na perspectiva de um observador distante. Realmente não sabemos como isso se integra com a visão da física quântica, em que o observador parece exercer uma função decisiva. O fato é que o mundo funciona assim, e não é para fazer sentido para nós, pelo jeito. 

Eu não julgo o demérito ou a derrota, por que não encontro, fora da ilusão e arrogância humana, fundamentos para a realização de feitos vitoriosos. Tudo é relativo e determinado por causas que nos ultrapassam.

Simplesmente não somos o fim último do universo. E, se sabemos tão pouco sobre a nossa própria vida, o que nos autoriza a julgar os outros? 

Deploro, sim, profundamente as condutas e a dimensão trágica de algumas, quem sabe todas, as existências. Mas não posso julgar os seres. Tudo o que posso saber deles, sei por conhecer a mim mesmo. Tenho conseguido conter meu natural instinto assassino. Mas minha condição é irreplicável. 

E, finalmente não sei como explicar, além de apenas racionalizar, como cheguei até ser quem sou, o que tenho feito com o que fizeram de mim.

Limites

Acho uma bobagem dizerem que os presidiários comem as nossas custas. Nós todos comemos as custas de maquinário e tecnologias que nos foram legados por gerações que já morreram.
Somos sete (7) bilhões de habitantes e nunca poderíamos, com nosso suor apenas prover nosso alimento.
Cancelar os outros pela pena de morte, responde ao desejo que temos de cancelar por decreto a parcela de humana monstruosidade que nos habita. O ódio pelos criminosos só encontra amparo num conhecimento íntimo do mal.
Quando os europeus chegaram as praias das Américas, os índios que não eram, entre eles um exemplo de cordialidade, não puderam odiar seus algoses. O que os Europeus iriam fazer era impensável para os nativos americanos.
Então ao odiarmos o crime hediondo, demonstramos uma forma de entendimento do que é hediondo: é aquilo que reprimimos em nós mesmos como impulso. Nossa raiva é de que os que ultrapassam os limites, ameaçam nossa frágil auto-contenção.

Fim e Recomeço

O fim de uma época, de um amor, de uma paixão, o fim de uma maturidade são os mais intensos momentos para se viver. Eles não são como a tenra aposta na novidade de um sentimento que se insinua. O fim é o lancinante instante da consciência de que o que foi bom, pleno e feliz, terminou.
Não é como o princípio, onde reina ansiedade e a incerteza, em meio a esperança. O fim é o momento da certeza fria e incontornável.
Ainda assim, o fim não é um absoluto. Nele se atribui um sentido a diversidade de acontecimentos que povoaram os dias felizes em que acreditamos compartilhar nossa alma. Os dias em que dois corpos foram animados pela fusão das almas enamoradas.
O fim é o momento em que o amor salta do vazio sem sentido do gesto apaixonado, para tornar-se a memória do afeto gozado e vivido, até onde é possível suportar o transbordar da felicidade.
Sabemos que a vida e o amor encontram, inexoravelmente, o silêncio... O fim é necessário a plenitude do encontro.
Depois das lágrimas secarem, poderemos recomeçar. Marcados pela memória de quem o encontro nos fez, até que esse outro mais estranho - o eu que pensa ser eu - seja, ele mesmo, tragado para dentro do vazio de onde veio. Mas aí, onde o fôlego vital volta, estaremos prontos para recomeçar a busca pelo amor ao outro.
Buscaremos, ainda e mais uma vez, a incondicional aceitação recíproca: o verdadeiro amor sincero. E este será vivido outra vez intensamente.
E o fim virá novamente, para que amar possa ter estado a altura da vida. E é por isso que morremos: para saber por que foi preciso ter estado vivo.
Eu sempre vou te amar.

Entre Leitores

Obrigado a todos que gostam de ler meus posts. Eles são como mensagens em garrafas jogados em um oceano de links e instantâneos que flagram as emoções, os sentimentos e o cotidiano de milhões de pessoas.
Então, quem curte pode compartilhar também. O face é uma rede social de imagens. Os amantes da leitura e das reflexões são como pepitas de ouro incrustados em toneladas de rochas. Para que um texto chegue até quem aprecia ler é necessário que ele percorra o máximo de perfis possíveis.

Olhares

Modulações do olhar alteram a percepção mais do que qualquer droga. Nada pode nos estimular ou anestesiar a consciência com tanta intensidade quanto a capacidade de ver o outro em sua mais íntima condição existencial.
Mire e veja: o outro é o paraíso. Isolado, você é seu inferno.
Há quem veja nos outros apenas o retrato invertido de si mesmo.
Mas os que apuram o olhar sabem que o outro é a imanente transcendência que revela nossa singularidade e a comunhão solidária que nos define.
Somos únicos em ato, diversos em circunstâncias e comuns na essência.

Valores

Valores Profanos
Notícias da última semana da Copa do Mundo no Brasil:
- Guerra civil na Síria chega a 170.000 mortos.
- Vexame da Seleção Brasileira na Tragédia do Mineirão!
- Vai a 118 o nº de mortos em ofensiva israelense na Faixa de Gaza.
- Derrotas e eliminações levam torcedores ao desespero em várias partes do mundo.

Nós não podemos escolher
Entre as coisas que acontecem
Aquelas que nos fazem felizes ou infelizes
Há eventos dolorosos e outros alegres
No entanto, o bem e o mal são apenas
Ao fim e ao cabo, uma medida
Para, intermitentes e cambiáveis, valores humanos
E nada mais

Cutucadas

Spoken off line
Cutucadas fora do Facebook
Estou pensando em toques silenciosos dentro de um ônibus.
Em suaves contatos do olhar, enquanto andamos distraídos.
Ninguém é estranho.
Carregamos nossos pensamentos mais secretos por onde quer que vamos.
E eles imprimem delicadas impressões em nossa face.
Afetam nosso olhar que se alegra ou entristece, intermitentemente, enquanto vagamos expostos a atenção de qualquer um.
Viver é um escândalo.

Arrepios sonoros

Saudades ondulantes: nuvens se movendo 
Saudades em cores: filme romântico 
Saudades sólidas: poesia na face de uma 
pedra
Saudades líquidas: banho de chuva na infância 
Saudades al dente: nosso primeiro beijo
Saudades agora: a repetição de todo instante sem você
Arrepios sonoros: pelos eriçados pelo vibração audível de eu te amo...

Carta a um forasteiro...

Um conto sombrio sobre uma Guerra Mundial, após a qual, a paz nunca mais retornaria a lugar algum, até que a humanidade, finalmente acabasse extinta. Um roteiro para o fim, em que as civilizações se destroem e em seguida, poucos séculos depois, a espécie homo sapiens sapiens, desaparece.
Carta a um forasteiro,
Eu sou Antonio Guedes. Tenho medo de ser atacado por bandidos, ladrões, saqueadores e estupradores. Por isso, tomo cuidado. Ninguém pode me encontrar despreparado. Mesmo assim, tenho minhas armas sempre à mão. Vou atirar primeiro e perguntar depois. Cuidado!
Você pensa que pode me meter medo. Mas o que me mete medo é eu deixar de prestar a atenção e esquecer de antecipar seus movimentos.
Não entre em meu território. Meu círculo da confiança não incluí você. Fique longe. Fique vivo.
Não traga sua sujeira para perto de mim. Minha segurança depende de manter-me longe de você. Caia fora!
Não pretendo me aproximar de você. Meu destino não incluí ninguém além de mim, minha esposa e meu filho.
Desde que o céu queimou, com as bombas explodindo, toda a confiança desmoronou. Ninguém mais se liga a ninguém, exceto pela morte. Todos iremos morrer. Os últimos a partir, deixarão filhos mais fortes e serão lembrados por mais tempo.
Agora o que nos resta é esperar que alguém chegue a ver um futuro que seja, pelo menos, um décimo da vida que tínhamos antes das bombas serem lançadas.
Tudo começou quando Israel atacou os territórios Palestinos. Simultaneamente, tentaram matar o premier russo, ou ele quis que o mundo acreditasse nisso. 
Em seguida, a confusão começou. Notícias desencontradas chegaram de todos as grandes agências. Logo depois a internet caiu. Nunca mais ela voltaria a funcionar.
Ouvimos falar de mísseis e explosões nucleares na Europa. A América incendiou poucas horas depois. Quando as notícias finalmente pararam de chegar sabíamos que o mundo voltara a ser grande, como na época das naus capitânias e da chegada de Colombo a América.
Em seis meses o mundo cresceu ainda mais. Acabaram as leis, as escolas e os hospitais. Polícias tornaram-se milícias locais. Ninguém mais tinha qualquer autoridade. Disposição para assassinar e roubar tornaram-se a única regra válida.
Antes de setembro de 2014, nosso mundo acabou.
O que tem existido, desde então, é pior do que o inferno.
Pode ser que Deus exista e que todos os que morreram estejam com ele no céu.
Só não sei por que os que morreram teriam que ser melhores do que nós, que seguimos vivendo na terra amaldiçoada.
Acho que tudo foi um erro. Uma sucessão de equívocos. Não deveríamos estar aqui.
Se alguém tivesse tomado uma decisão sensata antes de setembro, a NASA ainda existiria. Hoje, veríamos humanos em marte e esta carta seria o sonho de alguém tenso, temeroso e imaginativo, tendo pesadelos em relação ao futuro.
Nova América do Sul.
Antigos Estados Unidos do Brasil
Antes, Rio Grande do Sul – Porto Alegre.
Atualmente, Guaíba do Sol Poente.
18 de Julho de 2054.

A única repetição

A propósito:
- a segunda vez já não é mais a primeira. Mas é sempre a primeira e única segunda vez.
Fazer de novo e fazer pela primeira vez são as duas faces da moeda do destino.
Recomeçar é mudar a moeda. Dá para passar da prata ao ouro, ou da platina ao latão.
Também há quem aposte mais de uma moeda. Eu sou daqueles que apostam todas.
Sempre como se fosse a primeira vez.
Até o fim, quando a última vez será, então, a primeira e a única.

Sonhar sonhando

Frequentemente tem acontecido de eu sonhar intensamente. Um enredo complexo em que muitos eventos cheios de cores e odores se desenvolve como se eu fosse ator e expectador simultaneamente
Então no auge do sonho eu acordo. Sei imediatamente que estava a sonhar e que em um instante importante do sonho ele acabou subitamente. Mas não lembro do que tratava o sonho. Tudo se perde e se dissolvem as memórias do sonho como lágrimas derramadas sobre o oceano.
Imagino se morrer não será assim. Acordar dessa vida em outra dimensão. Saber de cada sentimento vivenciado sem lembrar de nenhum evento que deu forma ao sonho ou ao pesadelo de ter sonhado esta vida.
Sem castigo ou paraíso. Apenas uma saudade e alívio de ter perdido uma infinidade de instantes esquecidos...
Talvez para acordar de um sonho em outro infinitas vezes.

Para acreditar na racionalidade é necessário conhecer antes os limites da razão. O pensamento humano encontra uma ferramenta eficiente no raciocínio lógico. Mas a mente é um fenômeno bem anterior a clareza de pensamento que parece ser inerente a razão.
A clareza de pensamento tem uma relação tortuosa com a estética do bem e com a fenomenologia da beleza. Somente através da loucura é que a razão pode emergir e foi no intermitente bailado entre luz e trevas que a virtude encontrou expressão no que é razoável.
Podem existir formas de beleza que a mente humana ainda não conhece ou simplesmente é incapaz de conceber. Do mesmo modo, os abismos que tememos podem ser gêneros de uma espécie bem mais vasta. Por isso o papel da desrazão e da loucura não é suprimido em função da racionalidade. Antes constituem uma reserva estratégica frente as impossibilidades da efêmera razão humana.

Sentir intemporalmente


Vivenciar a experiência de amar como uma dimensão da vida que perpassa todos os demais sentimentos que nos constituem, subverte a sensação opressiva de estar confinado no grande abismo do espaço-tempo.
A ilusão concreta e sólida de que perdemos o presente, um instante ainda antes de ganhá-lo, alimenta o egoísmo de desejar prover a si mesmo com a substancia do nada. Não podemos amar nem a nós mesmos, se cada sentimento que nos toma de assalto é perdido no ponto sem dimensão onde está localizado o inapreensível presente.
Amando, a vida transcende a imanência de existir preso a fugacidade do presente, para nos lançar à plenitude de ser sem limites no amor.
Todo o sentimento é uma fração da eternidade. O sabor do leite materno no lábios e o som de uma voz, escutada ainda no calor do útero, pertencem a imensidão infinita que deu origem ao tempo.

O tempo sutil do amor


Buscamos estar profundamente implicados na aventura de ser possuído sem ser posse, de ser tomado no colo, aninhar-se no ceio, sem ser objeto. Aceitamos o desafio de amar sendo uma parte, assumindo uma incompletude sem a qual não podemos ser inteiros.
Desejamos encontrar a plenitude do ser no espaço denso e sem dimensão que separa os corpos que se amam.
Fazer de si mesmo a alma de um movimento: levar os sentidos até a certeza fugaz de uma presença. Para, então, não parar de retornar. Dar a vida um ritmo intermitente de eterno retorno amoroso...

Ter e Ser II

Não querer ter o outro. Desejar apenas o calor pulsante de uma presença entrelaçada. Pois o ser amado pertence somente na intensidade da entrega de quem o deseja.
Assim sem ser objeto, quem sabe dar-se torna-se a mais livre das posses: o coração de um ser que tanto é amado, quanto ama.

Ter e Ser

Eu não quero ter você. Eu quero que seu corpo sinta o calor pulsante da minha presença. Pois é meu ser que te pertence na intensidade de minha entrega. Assim, sem ser objeto sou a mais gratuita das posses: o coração de um ser que tanto é amado, quanto ama.

Por que compartilhar minhas poesias no Facebook?


Tenho exercitado a escrita neste espaço virtual e arriscado publicar o que ainda estou tecendo . Algumas curtidas vem enquanto vou editando o que escrevo.
Portanto, ouso uma relação explicita com meus amigos leitores. Quem me lê tem acesso ao ato da escrita em tempo real. Me acompanha no instante em que minha mente é capturada por uma ideia que vai tomando uma forma poética ou aforística. Sempre de acordo com a força e a intensidade da emoção que dispara a escrita.
Acho que esta experiência substituí, ao menos para mim, a clássica prática de acumular notas em um velho caderno surrado, para depois lapidá-las numa produção literária.
Por que?
É difícil explicar. Uma razão para isso só pode ir sendo construída no ritmo em que vou castigando o teclado: - Por que a vida é curta e a celebridade pode acabar por ser póstuma.
Lembro o diário erótico de Schopenhauer, queimado por seu testamenteiro puritano e eternamente perdido para seus admiradores.
Aqui, certamente perco os dividendos incertos e improváveis de uma edição em papel, mas ganho a certeza de compartilhar hoje o que amanhã poderia estar perdido.
Obrigado aos que curtem e não esqueçam, compartilhar é abrir portas e estender ladrilhos a passagem dos textos. Nas estradas da leitura é que os textos cruzam distâncias no tempo e no espaço.